Escrito por Fernando Farias
Os tubarões já sabiam e se aproximaram, e ficaram esperando.
Engenheiros brincam de castelos na areia, na praia cheia de turistas brancos assando no sol. Continuaram as obras de contenção do mar.
Os ratos fugiram dos esgotos, os coqueiros caíram e quando a lua surgia a água escorria nas bacias sanitárias.
O mar avançava em centímetros e todos brincando nos carnavais, construindo espigões à beira mar na bela Zona Sul. Nas torres gêmeas moravam o prefeito e o senador.
Calor anormal no campo de futebol com cheiro de algas marinhas. Maresia com degelo e cerveja sem ozônio. Salina nas camas dos motéis.
E chegaram os sinais. A lâmina de água cobriu o Marco Zero fazendo pequenas ondas nos postes da luz. Foi o mar retornando às águas do Capibaribe. Os caranguejos invadiram os elevadores e os quartéis.
Alguém percebeu e achou que era coisa lá do Pólo Sul. Culpou o governo pelo lixo nos canais e pelos cardumes nas calçadas.
Mudou a paisagem quando o mar cobriu as pontes, arrastando os gatos. Carros substituídos por jangadas, cinema com bóias salva vidas. Não havia mais engarrafamentos nem sombra de árvores.
E veio a primeira onda. A segunda e a terceira cheia. Corroendo alicerces, derrubando edifícios, lavando as favelas. Meninos estudando com os pés molhados. Velhos tomando sopa na chuva. Filas nos cursos de natação, que entraram na moda. Alagamentos no morro, na festa da santa padroeira.
Só quando os tubarões começaram a dobrar esquinas e os quintais alguém sentiu que estava sem a perna esquerda e que ficava difícil respirar mesmo dormindo no décimo andar.
Começaram a nadar para o oeste, levando as fotografias, caixas de livros e roupas encardidas. Subiram as serras evitando ser atropelados pelos navios e vendo as gaivotas sobrevoando as cidades do Sertão.
Do Recife nada mais ficará do que pára-raios enferrujados e um sofá vermelho boiando. Restarão os saudosistas insistentes, sempre fugindo dos tubarões e lembrado dos antigos carnavais.